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Vetor Entrevista: Andras_2020

Inspirado primariamente por cirurgias devido a um diagnóstico sério de HPV, o novo EP da produtora desconstrói a vergonha e abraça a troca e a sobrevivência


Texto e entrevista por Pedro Paulo Furlan

Fotografia por Thomas Lambertz


19h, São Paulo / 23h, Düsseldorf. Após alinhar os nossos fuso-horários, sento com o cantor, compositor e produtor Andras_2020 para falar sobre seu mais novo EP “Blowhole”, lançado no início de outubro. O artista, nascido em Salvador, mora atualmente na Alemanha e mescla suas culturas para criar uma musicalidade que se encontra na intersecção entre brasilidade, música eletrônica experimental e música pop.


“Escrachado, distorcido, grande unido a referências de música pop mesmo”, é assim que Andras descreve o som de “Blowhole”. Composto por seis faixas, o EP é uma jornada para dentro da artista, que utiliza a musicalidade para explorar sua própria queerness, seu desejo por experimentação - e um dos momentos mais difíceis da sua vida.


A verdade é que, em parte, “Blowhole” é inspirado por uma série de cirurgias anais pelas quais Andras teve de passar, ela me conta, devido ao vírus da HPV. Logo, o processo de criação do projeto foi também um momento de enfrentar de cabeça a vergonha entorno de sua sexualidade e, de certa maneira, “romantizar o ânus”, com essa arte.


“[O projeto] Tinha toda a relação com muita vergonha e uma dor muito visceral, então fazer música era o que me fazia ter vontade de continuar vivendo”.


Criando uma sonoridade que era, ao mesmo tempo, bela, mas voraz e visceral, Andras_2020 vê “Blowhole” como um projeto de experimentação, que o permitiu unir sua pesquisa sonora à de outras pessoas - e criar o EP por completo. Por trás de tudo, o produtor inspirou-se em sua própria experiência, sua queerness e até na natureza de baleias e golfinhos, transformando tudo em “uma grande metáfora”.


“O processo de me entender como musicista”


Fotografia por Thomas Lambertz


Apaixonado pela música desde criança, Andras me conta sobre seus primeiros aniversários, onde já cumpria o papel de um DJ: curando e selecionando, a dedo, os CDs que iam tocar em suas festas com temática de discoteca.


“Era minha mãe ralando o mês inteiro, o ano inteiro, para poder alugar luzes e um sistema de som, e eu sendo a DJ, com os meus CDs, coleções imensas de CDs que eu passava o ano colecionando”.


No entanto, demorou para ela se apaixonar pela produção musical, em vez disso, Andras se dedicou completamente à dança. Após começar a dançar aos 7 anos, a artista investiu tudo que podia nesta arte, que, inclusive, o levou a se mudar para a Alemanha, em 2016, e é algo que a acompanha até hoje em suas performances ao vivo.


Quatro anos depois de sua migração para Düsseldorf, Andras decidiu começar a produzir músicas, resgatando sua paixão de criança. Em 2020, em meio à pandemia de COVID, o artista começou a dar seus primeiros passos na produção, aprendendo como mexer em diversos softwares e adaptar suas diversas influências musicais para o estilo de música que estava buscando fazer.


Andras_2020, seu nome artístico, inclusive relata que algo que o ajudou a realmente arranjar coragem para se morfar em um artista musical foi sua conexão com uma grande figura da música eletrônica: a produtora venezuelana Arca. Parte do canal dos fãs de Arca no Discord, na época em que a produtora era ativa na rede social, Andras conseguiu interagir diversas vezes com ela e receber inspiração para suas primeiras produções.


Fotografia por Thomas Lambertz


Este canal no Discord levou à criação do projeto “Mutant Mixtape”, que unia diversas faixas de fãs da artista, encorajados pela própria Arca a fazer a mixtape, e que selecionaram a primeira track de Andras, “Cuerpo Temperamental”, para ser parte do projeto. Algum tempo depois, Arca inclusive tocou uma das faixas dela, “Harps for A”, em um de seus sets em Ibiza, track criada especialmente para a venezuelana.


“Na verdade, é sempre um grande incentivo, sempre que eu penso em desistir, eu lembro que a Arca já tocou a minha track”


“Eu nasci para fazer isso”


Em 2021, Andras - ainda aprendendo a produzir - lançou seu primeiro EP “Cuerpo Temperamental”, no qual explorou sua identidade de gênero. “O título é uma brincadeira com alinhar uma qualidade emocional, ao corpo”, explica a artista, complementando que, dessa maneira, simbolizou o momento em que estava passando enquanto pessoa não binária, inclusive se questionando se iria transicionar ou não.


“Foi uma época de tentar entender se eu queria transicionar ou não, e falar sobre o desejo de uma forma abstrata e confusa, que era exatamente o que eu estava sentindo”.


Seu primeiro EP levou Andras a iniciar, também, sua primeira turnê, que apresentou ao público e a si mesma, uma nova versão da artista. Cantando, dançando e discotecando, tudo no mesmo show, Andras descreve suas performances como experiências sensoriais para a audiência. Mas, foi difícil para ele chegar neste ponto.


Fotografia por Thomas Lambertz


“Acho que o que me faltava na confiança era realmente assumir que eu faço música e as pessoas estão ali para escutar e eu estou ali para cantar”, explica ela sobre o seu processo de autoaceitação: “Acho que a gente cria diversas ideias de que para ser alguma coisa, a gente precisa muito mais do que só ser”.


“Mas, apesar de tudo, eu nasci para fazer isso”, afirma Andras, explicando que foram em parte suas apresentações que o encorajaram a lançar um novo projeto, “Blowhole” - isto e a vontade natural de contar suas experiências por meio das seis faixas do novo EP.


O processo de cirurgias para acabar com o HPV, e dessa maneira impedir que o vírus evoluísse em um câncer, foi algo traumático para Andras, e, assim que o processo acabou, ela sentiu a necessidade de externalizar a sensação. 


“As cirurgias foram para remover um HPV de risco altíssimo, e, além disso, eu tinha estágio zero de câncer, ou seja, não era um câncer, mas, poderia vir a ser caso desenvolvesse mais ainda, e uma displasia anal”, relata o artista, afirmando que o tratamento por parte dos médicos e a falta de consciência de sua comunidade o prenderam em um ciclo de vergonha e culpa, que só foi quebrado com esse momento criativo.


“Meu caso foi muito severo, fiz três cirurgias e toda vez que eu fazia, crescia de novo e, meio que, tomou conta da minha vida, eu parei por sete meses”.


Durante esse processo, o artista, que conhecia a si mesmo a partir das lentes da dança, foi forçado a ficar parado, e tendo que se autoconhecer de outras maneiras. Então, ela se voltou à produção musical, andando no fronteira entre uma musicalidade que era munida de beleza e felicidade, mas, também muita violência.


Com esta perspectiva quase selvagem, Andras também inseriu seu estudo de baleias e golfinhos na metáfora de “Blowhole”, utilizando o respiradouro destes animais como parte da mensagem que ele estava construindo sobre troca e sobrevivência.


“Tudo isso, as cirurgias, as baleias, meu tempo de repouso, tudo virou uma metáfora para o som, para minha vida, para o que eu estava fazendo no momento”.



“Sinto, cada vez mais, que o Brasil é gigantesco”

Fotografia por Thomas Lambertz


Após dois anos de produção até o lançamento do “Blowhole”, Andras_2020 se orgulha do projeto completo, mas, já se vê em outro momento de sua vida, pronto para se voltar para novas experimentações. “Sonoramente falando, estou já vários passos a frente dele”, afirma a produtora, deixando claro que o novo momento trará uma nova Andras. 


Mas, o que exatamente é essa nova Andras? Nem ela mesma sabe. Conversando comigo, Andras fala sobre sua inspiração, vinda de artistas trans do “hyperpop”, como SOPHIE e Galen Tipton, apontando suas habilidades de construir e empilhar diversas texturas e continuar experimentando com seus sons.


No entanto, a artista também pensa sobre como encaixar sua brasilidade na sua arte, com vontade de trazer referências à sua cultura, mesmo como migrante. Descrevendo sua conexão à cena underground no Brasil, Andras exalta as amizades que tem com artistas daqui, no entanto, também aponta como a distância afeta sua visão do espaço brasileiro.

Stills from 'Wings' directed by Kurt Heuvens


“É algo que tenho tentado desde 2022, quando fiz minha primeira turnê, é trazer meu show para o Brasil. Mas eu sinto, cada vez mais, que o Brasil é gigantesco”.


Levando essa nova perspectiva e sua própria infância em consideração, Andras aponta sua vontade de levar outros aspectos do Brasil além do funk, que está passando por um momento de destaque na Europa, para as plateias europeias.


“Sou de Salvador, não cresci escutando funk, então, estou sempre me questionando o que isso significa, o que significa essa brasilidade, e de que formas ela pode se manifestar”, afirma Andras, finalizando com uma reflexão para si mesma.

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