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Vetor Entrevista: Damien Malard

Através de uma arte visceral e imersiva, as criações de Damien Malard nos desafiam a repensar o lugar da humanidade na ordem natural.

Texto e entrevista por Valentina Parati | @valentinaxparati


Criaturas Antropomórficas


Quando encontrei pela primeira vez o trabalho de Damien Malard em New Borns, sua série mais recente na Vetor Magazine, sua arte me lembrou dos ritmos intensos e oníricos de Arisen My Senses de Björk & Arca (pensei no remix de Lanark Artefax), misturados com os visuais de horror surreal do diretor italiano Mario Bava, que tanto admiro. Também trouxe à mente o conceito do Chthuluceno de Donna Haraway na última edição da revista NERO, que discute a necessidade de reconectar-se com a natureza—não só entre os humanos, mas com todas as espécies que compartilham nosso planeta.


Para Damien, a arte é uma forma de explorar essas questões, de imaginar até onde podemos levar a natureza antes que ela se transforme completamente. Suas esculturas, instalações e pinturas muitas vezes apresentam criaturas antropomórficas—híbridos de humanos e natureza—capturando as possíveis mutações que poderiam surgir em um mundo moldado por crises climáticas e intervenções tecnológicas. Sua arte não busca oferecer soluções; em vez disso, nos convida a refletir sobre nosso relacionamento com a natureza e seus micro-organismos. “Não me interesso em oferecer respostas, mas em gerar novas perguntas sobre como coexistimos com a natureza, traduzindo fatos científicos em emoções,” diz ele, lembrando-nos de que fazemos parte de uma narrativa muito maior.

"L’air était sec mais tes lèvres encore sucrées” por Damien Malard.


Quem é Damien Malard?

Eu o apresentaria como um artista “em constante fluxo.”


Seu trabalho é tão fluido e em evolução quanto as paisagens que ele atravessa. Atualmente baseado em Paris, sua vida e seu trabalho estão sempre em movimento, viajando entre o Brasil (em programas como o Arapuca Arte e Cultura), Argentina (em residências como o R.A.R.O. Buenos Aires), Portugal e outros lugares. Essas residências o mantêm em movimento, tanto geograficamente quanto criativamente, inspirando novas conexões e ideias. Sua metodologia é igualmente fluida: ele transita facilmente entre instalação, pintura e escultura, com cada forma dialogando com as outras. Suas instalações são imersivas e cinematográficas, criando atmosferas que envolvem o espectador, enquanto suas pinturas—embora separadas—fazem parte do mesmo vocabulário visual, construindo juntos uma linguagem coesa de formas e cores. Esse “microcosmo,” como Damien chama, permite-lhe criar uma expressão artística unificada, independentemente do meio.

"La symphonie de Vénus" por Damien Malard.


A fascinação de Damien pelo Antropoceno, pela resiliência da natureza e pela relação entre humanidade e o mundo natural o impulsiona a criar uma linguagem artística que transcende as fronteiras tradicionais. Criado na França, ele inicialmente estudou design gráfico antes de migrar para as artes visuais. Mais tarde, concluiu um mestrado em Artes Visuais em Portugal, encontrando sua voz nas instalações imersivas e esculturas.


“Eu estava buscando algo que se sentisse mais próximo da terra, mais vivo,” explica ele. Essa busca o levou ao Brasil, onde as intensas questões ambientais e as vastas paisagens deram ao seu trabalho uma qualidade visceral e enraizada. Imerso nas consequências cruas da degradação ambiental, desde grandes incêndios na Amazônia até nuvens de fumaça apocalípticas engolindo cidades inteiras, a arte de Damien foi transformada. “No Brasil, você sente a ira da natureza,” diz ele. Diferente da Europa, onde os problemas ambientais às vezes parecem distantes ou abstratos, o Brasil o forçou a confrontá-los diretamente, dando ao seu trabalho uma crueza que talvez não fosse possível em contextos mais isolados.


O que mais me impressionou no trabalho de Damien, após nossa conversa, foi como ele começa com fatos científicos e os traduz em experiências visuais. Ele não apresenta simplesmente dados; transforma-os em instalações e pinturas imersivas que parecem tanto especulativas quanto ancoradas na realidade. Nas mãos de Damien, esses fatos tornam-se narrativas vivas, obras que não apenas falam ao nosso mundo atual, mas também imaginam futuros possíveis—e, como discutimos, esses não são futuros utópicos, mas distópicos. Em vez de focar em soluções, ele vê seu papel como um tradutor visual, pegando uma linguagem científica complexa e muitas vezes inacessível e transformando-a em expressões emocionais. “A ciência pode nos dar as chaves para entender o mundo,” Damien explica, “mas a arte nos permite senti-lo. Com a arte, você descobre as coisas através de suas emoções, não apenas pela informação.”


"New Borns" por Damien Malard para Vetor Magazine.


Um de seus projetos recentes, Symphonie de Venus, explora a interseção entre natureza e tecnologia. Criado durante sua residência no R.A.R.O. em Buenos Aires—uma cidade que se mostrou vibrante, criativa e queer como inspiração para ele—o projeto emergiu em meio a um cenário apocalíptico de agitação política e instabilidade econômica. Suas experiências tornaram-se parte da obra, que gira em torno de uma representação cerâmica da flor Brugmansia arborea—uma planta tóxica, semelhante a um trompete, usada em rituais locais, simbolizando beleza e sobrevivência em meio à instabilidade.


Nessa narrativa distópica, a natureza não é mais apenas o pano de fundo para a atividade humana—ela se torna um personagem central e dinâmico. “É uma escultura que respira,” Ele descreve a peça como evocando um ritmo mecânico, com a luz sozinha criando a ilusão de respiração, totalmente sem motores. “Em que ponto paramos e deixamos a natureza assumir o controle?” ele se pergunta. A peça final se assemelha a um híbrido entre uma ópera e um filme de ficção científica, sua flor pulsante e respirante transmitindo uma mensagem poderosa, quase distópica.


Quando começamos a conversar, perguntei imediatamente a Damien se seu trabalho era influenciado por temas do Solarpunk ou pela cenografia de cinema e moda. Suas esculturas me pareciam extensões de “props” de filmes de ficção científica ou elementos dos romances de Octavia Butler. Acontece que Damien realmente trabalha em cenografia, e suas influências estão intimamente alinhadas com as que mencionei.



Influenciado pela ficção científica e pelo cinema, Damien se inspira em diretores como Bertrand Mandico, Yann Gonzalez e Mario Bava para dar ao seu trabalho uma qualidade onírica, frequentemente criando cenas que parecem fragmentos de um filme distópico. “Eu penso no meu trabalho como fragmentos de uma narrativa maior,” explica. O som é essencial para o seu processo criativo, e artistas como Björk, Arca, Eartheater e Sega Bodega—cujo trabalho expande os limites do som de maneiras que espelham sua própria exploração de forma e luz—ajudam-no a pensar no seu trabalho em termos de espaço e emoção. “Sou fascinado por como o som molda o espaço, como a luz ou a escultura,” diz. “Com Björk, por exemplo, é sobre criar um ambiente sensorial completo.” O som adiciona ressonância emocional ao seu trabalho, transformando suas instalações em experiências totalmente imersivas.


"New Borns" por Damien Malard para Vetor Magazine.


O trabalho de Damien nos convida a imaginar novas possibilidades de convivência com a natureza, onde humanos e o mundo natural encontram formas de se adaptar e evoluir juntos. Como ele resume o coração de sua prática: “A natureza vai continuar se regenerando, mesmo que nós não. É isso que quero mostrar—que, no fim, somos apenas uma parte da narrativa, não os autores.”



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