Vetor Entrevista: Juan Duarte
- vetormagazine
- 28 de mar.
- 7 min de leitura
Ressignificando o masculino, Juan Duarte lança “Pitbull Miumiu”. Unindo suas raízes sertanejas e sua experiência multimídia, com as batidas do produtor Guillerrrmo, os dois criam um underground descentralizado em seu primeiro EP
Texto e entrevista por Pedro Paulo Furlan

Fotografia por @gabrielcvlc
São Paulo, 19h. Após o lançamento de seu primeiro EP, eu e Juan Duarte conseguimos marcar um horário para sentarmos e conversarmos. No fim de um dia de correria pós-lançamento, o cantor, compositor, DJ e figurinista parou um pouco para me contar tudo sobre a construção de “Pitbull Miumiu”, EP que ele apresentou na festa de lançamento da última Vetor, em São Paulo, no final de dezembro.
Originalmente do interior de Goiás, mais especificamente de Catalão, Juan construiu o universo de “Pitbull Miumiu” com base nas suas próprias vivências, puxando inspiração da noção do que é masculino nesse ambiente.
“Para mim sempre foi interessante entender o que, dentro desse masculino, me cabe, o que não me cabe, e o porquê não me cabe”.
Formado em artes cênicas, Juan Duarte vem analisando a masculinidade desde a época de seu TCC, no qual analisou os símbolos de uma das figuras masculinas mais clássicas: o cowboy. “Será que ao criar uma imagem masculina, levando ao extremo todos seus signos, eu consigo chegar em uma imagem emancipatória? É uma dúvida que eu não tenho a resposta, mas me motiva a continuar pesquisando.”, explica ele sobre sua teoria, que acabou também tornando-se o fundamento de “Pitbull Miumiu”.

Fotografia por @gabrielcvlc
No EP, com composição assinada por Juan Duarte e produção pelo produtor manauara Guillerrrmo, os dois artistas, conectados à masculinidade por suas visões como pessoas queer, desempacotam a hiper-performance do masculino com uma lente que mescla sonoridades underground com raízes na música regional brasileira.
“Ambição cosmopolita sem perder meus laços regionais”
Em “Pitbull Miumiu”, Juan Duarte me conta, os dois artistas se juntaram para desenvolver um projeto que se encontra no equilíbrio entre diversos conceitos, por exemplo, o masculino e o feminino, o metropolitano e o regional, o eletrônico e o orgânico. Até mesmo no título, essa dicotomia se faz presente, equilibrando o pitbull, símbolo canino de virilidade, e o miado, símbolo de fragilidade e sinuosidade.
Explorando essas dualidades, Juan utilizou uma frase em específico para descrever a sua motivação musical: “Ambição cosmopolita sem perder meus laços regionais”. No seu primeiro projeto, o artista deixa claro que não tem nenhuma vontade de abandonar suas raízes, no entanto, também não solta mão do mundo metropolitano que conheceu quando se mudou para São Paulo.
“Temos muita vontade de ter essa conversa, essa troca com o que está acontecendo no mundo, sem perder o que esta acontecendo no nosso mundo, na nossa região, nas nossas cidades”.

Fotografia por @gabrielcvlc
Duarte teve seu primeiro contato com a música cantando quando criança e adolescente na igreja que ia com sua família - e percebendo ali a sua vocação em ser artista. Para ele, a igreja, mesmo que não fosse o lugar mais aberto para pessoas LGBTs, foi o primeiro lugar em que ele se apaixonou pelo palco.
“Lá tem uma pulsão ritualística”, afirma Juan Duarte sobre suas experiências cantando na igreja - mas, ele deixa claro que ele sente essa uma sensação semelhante no palco de uma festa de música eletrônica, por exemplo: “Não é só você ir lá e escutar alguém cantando algo bonito, a música, nesses ambientes, movimenta de verdade”.
Aos 17 anos, o artista começou uma banda de reggae e pop-rock em Uberlândia, onde morava na época e ali teve seu primeiro vislumbre do palco como seu sonho de profissão. No entanto, Juan decidiu se mudar para São Paulo, onde cursou artes cênicas.
Foi nesse curso que nasceu a hipótese que deu luz a “Pitbull Miumiu”. No seu TCC, após quatro anos de curso, Juan Duarte decidiu explorar a possibilidade de resgatar uma essência queer no personagem mais masculino de Goiás, o cowboy.
“Quando voltei para Goiás, fiquei, durante quatro meses, fazendo um estudo sobre essa figura do masculino, sobre esse cowboy”, Juan me conta, explicando: “Eu tinha vários personagens que ficava jogando na cidade, no Grindr, criando essas figuras ultra masculinas, esses cowboys, e ficava interagindo, indo nos lugares, vestido e tal”.

Fotografia por @gabrielcvlc
Depois dessas experiências cênicas, Juan percebeu quão profundas são as raízes do masculino na figura do cowboy - e decidiu pesquisar sobre qual o local da identidade queer neste personagem. O artista criou uma narrativa musical que trilha a jornada do indivíduo queer regional, em uma movimentação comandada por diversas formas de desejo.
“Esse projeto todo, por mais que eu fale muito sobre muitas coisas, é sobre essa pulsão de vida e de desejo - desejo de explorar, de se apaixonar, de superar”.
Em “Pitbull Miumiu”, Juan conta, ele criou o projeto com base nesta narrativa, uma história que queria contar - e é assim que ele vê todo o seu trabalho artístico. Seja musical, cênica ou visualmente, o artista sempre vê seu trabalho como a construção de narrativas.
Em seus outros trabalhos, por exemplo, suas movimentações no mundo da moda, Juan encara a sua criação como figurinista como contar uma história. Em “Alibi”, hit da cantora Sevdaliza, em que Juan foi responsável pelos figurinos, o artista criou as referências e os visuais com base na narrativa que a música estava cantando - o mesmo processo que ele teve durante a criação dos visuais de “Pitbull Miumiu”.
“Minha ânsia é comunicação, me vejo mais como um comunicador às vezes do que um artista, minha ânsia é comunicar com aquilo que eu construo”.

Fotografia por @gabrielcvlc
De que é feito um pitbull que mia?
Composto por quatro faixas, o EP de Juan Duarte, “Pitbull Miumiu”, conta uma narrativa, englobando diversas etapas do desejo - e, solidificando este personagem do cowboy “mega masc”. Através das músicas “Cavalgada Ritmada”, “Sobrenatural”, “Cachaça, Rodeio e Moda” e “Máquina Latina”, o cantor, com os arranjos de Guillerrrmo, constrói um universo populado por sonoridades únicas, somente possíveis com a união dos dois artistas.
“A primeira música, ‘Cavalgada Ritmada’, é um convite”, aponta Juan, descrevendo essa faixa como uma introdução ao universo do projeto, deixando mistério o bastante para atrair o ouvinte. Após apresentar este cowboy, Juan Duarte mergulha em suas raízes sertanejas com “Sobrenatural”, sua versão da música “Seu Astral”, da dupla Jorge & Matheus, a música mais pop do EP, segundo o artista.
“É ressignificar algo que está dentro do super masculino, em que eu cantando já faz a letra ter outra conotação, outro significado, só o fato de eu cantar”.

Fotografia por @gabrielcvlc
Depois disso, “Cachaça, Rodeio e Moda” é a maneira que Juan achou de homenagear outra participante de sua vida profissional, a moda. Ressignificando uma abertura de rodeio, o artista apresenta este personagem, paralelo a si, em um momento de libertação, no qual, mesmo após diversas decepções, o cowboy escolhe correr livre.
“Pitbull Miumiu” acaba com “Máquina Latina”, a música que mais exemplifica o talento de Juan para a criação de narrativas e de Guillerrrmo para acompanhar estas histórias. Com uma batida crescente e decrescente, Juan Duarte conta a história de um casal que se encontra na surdina e, mesmo com impedimentos externos, deixam o tesão tomar conta.
Nestas quatro músicas, uma coisa é clara: a harmonia completa estabelecida entre Juan e Guillerrrmo. A cada rima de Juan, Guillerrrmo compreende a batida perfeita para combinar com a composição, unindo inspirações sonoras de Goiás a Manaus.
“O Guillerrrmo tem a dimensão de construir ambiências sonoras que vão para além de músicas, elas são situações, narrativas de som”.

Fotografia por @gabrielcvlc
“Pitbull Miumiu” foi criado em uma imersão completa, na qual Guillerrrmo passou duas semanas na casa de Juan em São Paulo, o artista me conta, e naqueles dias, eles compuseram e produziram todas as faixas. O EP, que foi primeiramente apresentado na festa Tesãozinho Inicial, segue o lançamento das suas faixas “Monja Rebelde” e “Manacaos Night Life”, e é o primeiro projeto de muitos que a dupla pretende lançar como conjunto.
O “underground” descentralizado
A conexão entre Guillerrrmo e Juan Duarte é uma de missão, além de uma de música. Ambos de fora do eixo Rio-São Paulo, os dois constroem sua arte de uma maneira descentralizada, defendendo o reconhecimento e a discussão da música eletrônica produzida no Brasil, fora do eixo sudestino.
“O que a gente entende como cena da música eletrônica é muito pautado no que o Guillermo vive em Manaus e no que eu vivi em Catalão. Hoje moro em São Paulo, mas, nossas urgências não são daqui”.

Fotografia por @gabrielcvlc
Movimentando-se de maneira a elevar cada vez mais artistas fora da capital paulistana, Juan descreve o EP e a mensagem dele como uma apresentação do Juan artista, e de sua movimentação para descentralizar a cena. Essa movimentação, inclusive, também é muito importante para Guillerrrmo, que protagoniza uma resistência em Manaus, sendo fundador da Vacilo, uma das maiores festas de reggaeton no Brasil, que traz artistas do eixo Norte-Nordeste, além de diversos países da América Latina.
Ainda assim, Juan Duarte não nega que São Paulo e sua cena underground são inegavelmente parte dele. Sua intenção, no entanto, é poder lançar destacar o florescimento de novas cenas em diversos lugares do Brasil que estão em pleno borbulhamento
“Quero que as pessoas vejam esses espaços menos como espaços de close, e mais como espaços de ficcionalização da realidade”, ele me explica, apontando que o que o atraiu ao underground é a sua possibilidade inata de autoexpressão e o senso de comunidade - o que, para Juan, é o coração da cena.

Fotografia por @gabrielcvlc
Finalizando nossa conversa, Juan Duarte se coloca aberto para o próximo passo em sua carreira como músico, com seu próximo projeto já em produção, trazendo sonoridades ainda mais apegadas às suas origens, como piseiro e reggae. Ainda fechando o “Pitbull Miumiu”, ele vai lançar em breve um clipe gravado completamente em Catalão.
Abrindo seu coração sobre a importância da música para ele, o artista aponta que todas suas criações sempre estarão enraizadas no encanto que ele sente por essa forma de arte, e pelo presente pelo qual está passando.
“A música representa essa fuga daquilo que a realidade social não dá conta, sabe? Seja em São Paulo, seja em Catalão, seja em Manaus, é um ambiente para sonhos”.
Créditos do editorial:
@juanduarte fotografado em São Paulo, 21 de Fevereiro de 2025 por @gabrielcvlc com iPhone 4s. Beleza e unhas por @actedboy e agradecimento especial a @lucasokuda <3