Vetor Entrevista: Melis Köke
- vetormagazine
- há 2 dias
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Das ruas caóticas de Istambul às noites glitchy de Amsterdã, Melis Köke invade a cena underground como um meteoro punk—bagunçada, magnética e impossível de ignorar.
Seus sets são um reset cultural—barulhentos, sem pedir desculpas, e misturando guaracha, techno tribal, Tecktonik e o fenômeno tipicamente turco, o Apaçi. Essa mistura, caracterizada por sua energia crua e ritmo caótico, reflete a jornada musical diversa de Melis e os panoramas culturais por onde passou.
Texto e entrevista por Efe Çilek

Arte Digital por Cassandra
O Punk, o Pulso e o Camp: O Mundo de Melis Köke
Nascida e criada em Istambul, ela conheceu a música eletrônica não nos clubes, mas nas ruas. O Apaçi—um movimento de dança de rua que explodiu nos anos 2000, com batidas hardstyle, estética chamativa e origem em bairros operários—foi seu primeiro contato com o techno.
“Está lá desde que me conheço por gente”, diz ela. Não era glamouroso. Nunca foi a intenção. “Meu primeiro contato com a música eletrônica foi a música Apaçi que eu ouvia nas ruas e nos carros passando.” Essa exposição precoce plantou uma semente que só cresceu mais selvagem. Hoje, seus sets carregam traços de tudo: da explosão punk dos anos 80 à intensidade angular do Tecktonik, o movimento de dança francês dos anos 2000 conhecido por seus movimentos afiados e estética cyber.
“Sempre foi meio bagunçado, meu som.” ela admite. “Mas no fim, tudo se encaixa. Assim como eu.”
Rituais do Caos

Arte Digital por Cassandra
O punk simboliza mais do que um gênero para Melis; é uma mentalidade. Representa o caos sem medo. Crescendo, ela foi profundamente influenciada pelo ethos subversivo do faça-você-mesmo—algo que permanece com ela mesmo depois de deixar as jaquetas de couro. “Eu costumava ser punk. Hoje não mais. Mas a mentalidade punk ainda está presente em todos os aspectos da minha vida. Vejo como viver com a verdadeira natureza do cosmos. Quero dizer, o caos.”
O caos que Melis menciona não é aleatório—é ritualístico. Seus sets são jornadas cuidadosamente construídas, guiadas pela energia do público. Ela permite que a plateia direcione sua música, criando uma experiência imersiva.
“O público me guia, me diz pra onde ir”,diz ela. “Então, bem nesse momento, eu jogo uma surpresa. De repente, todo mundo entra em euforia, ficamos todos hipnotizados.” Ela não busca perfeição. Ela celebra o fracasso. “Todo mundo é ruim! Muito ruim!” ela diz, rindo. “Tudo fica bem quando você olha pra si mesmo, vê como é patético, dá uma boa risada e segue em frente. Você pode até costurar um patch... sabe. Chamam isso de moda.”
Reapropriando o Camp

Arte Digital por Cassandra
Ultimamente, Melis se tornou uma defensora inesperada da música Apaçi, um estilo frequentemente visto como cafona ou embaraçoso na Turquia. Sua abordagem inesperada chamou atenção, e através de seus sets (especialmente o da Glamcult TV), ela apresentou esse gênero ao mundo com novo significado. Apaçi não é uma tendência. É uma subcultura. E para Melis, é símbolo de resiliência.
“Vem da periferia. É música feita por pessoas sem representação ou mal representadas. Elas se reuniam, dançavam e criavam espaços seguros. Assim como fazemos nas nossas cenas.”
Para ela, trata-se de redefinir o gosto e destruir expectativas. “Não acho que existam regras na arte”, explica. “Existe um conhecimento transmitido por quem veio antes, e respeito isso. Mas não acredito em seguir essas verdades só porque existem há muito tempo.” Ela adora ir até o limite, brincar com o absurdo, o humor e a tensão cultural.
“Não tem nada de errado com um pouco de absurdo ou humor. Adoro brincar com isso. Ah, e esses conceitos novos como cringe ou camp. Gosto muito de brincar com isso.”
“Alguns amigos até disseram que eu não deveria tocar no estilo Apaçi se quisesse ser levada a sério como DJ!” diz. “Mas eu amo tocar isso porque é único e tem algo de profundamente rebelde. Trata-se de subverter expectativas sociais, e é isso que faz algo se destacar.”
Tecktonik, Dembow & Além

Arte Digital por Cassandra
Melis está sempre em busca. Segue obsessões como um compasso. Uma semana é DnB; na outra, EDM holandês. Mas agora? Está totalmente mergulhada no Tecktonik. “Acredito que o Tecktonik está voltando com tudo na moda e na música” diz ela.
“Tecktonik sempre foi futurista e ligado à internet. Agora, com influências Harajuku da Ásia, cultura Vogue e música de favela latina explodindo no mundo todo, parece a próxima grande coisa.”
Ela também vê ecos do Apaçi no Dembow—o ritmo pulsante, a energia das ruas. “Acho que o filme La Haine é uma boa representação dos apaches que mencionamos”, explica.
“E vejo paralelos. Me inspirei a tocar mais esse som depois de me mudar pra Amsterdã e mergulhar em gêneros como Dembow, Guaracha e EDM holandês. Tem a mesma pulsação do Apaçi—especialmente na energia e no espírito rebelde.”
O Coletivo SIRÄN
Melis não está sozinha. Como DJ residente do coletivo SIRÄN—uma plataforma que conecta Istambul e Berlim por meio de festas, resistência e suavidade radical—ela encontrou um grupo com o qual compartilha o caminho.
“O SIRÄN foi fundado por Nene H e Yeşim. Depois da primeira edição, entrei como a terceira DJ residente, e a partir daí, nosso vínculo cresceu.”
Mas não foi fácil. Fazer uma festa em Istambul já é um ato de resistência. “Politicamente, é um caos desde que me entendo por gente. Mas esses encontros não são só festas—são uma forma de nos reunirmos. Nossa paixão pela música, claro, pela comunidade e pela resistência. Esse era nosso ponto em comum. Cada edição era um desafio infernal, meu Deus! Só Deus sabe o que passamos. E, claro, as meninas!”
Como falamos na entrevista com as "mamas" da cena underground de Istambul — Mx.Sür and Q-BRA — esse tipo de construção comunitária é a base de tudo.
“Mas o SIRÄN é muito maior que só nós três. Em cada edição, amigos e familiares se uniram, oferecendo tempo e energia pra fazer acontecer. É um esforço coletivo construído com amor e solidariedade. Preciso deixar meu respeito à querida Nene H. Ela tem sido uma força orientadora na minha vida, aprendi muito com ela.”
E agora?

Arte Digital por Cassandra
Para Melis, o futuro está aberto. “Ganhar uma grana fazendo o que faço”, diz diretamente. Seja estilizando artistas como Alizade, tocando em desfiles de moda ou fazendo sets sem gênero por toda a Europa, ela segue com propósito e sempre, sempre com um toque de caos.
“Só faço o que sinto, toco o que ressoa em mim. E é muito bom quando alguém curte, né? Porque aí quer dizer que eu não tô sozinha, e essa pessoa também não.”