Miss Tacacá não tem a possibilidade de parar: Com 7 anos de discotecagem, a DJ paraense se encontra em um dos momentos de maior destaque de sua carreira, mas, ela visualiza picos cada vez mais altos
Texto e entrevista por Pedro Paulo Furlan.
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14h, São Paulo. Miss Tacacá, nome artístico da DJ e produtora Taka Kasahara, aparece na call, com o sol iluminando o quarto de seu apartamento na capital paulista - com um sorriso no rosto, a artista já se abre nossa conversa falando: “Amo dar entrevistas”. Após uma curta troca de introduções, começo as perguntas admitindo minha admiração pelo seu trabalho, que só aumentou ao assistir seu set na festa Trophy de Halloween no ano passado.
“Você tocou um remix tecnobrega de 'Girls Just Wanna Have Fun' [clássico de Cyndi Lauper] e foi o ápice da noite, seu set foi incrível”, comento, ao que ela rapidamente responde: “Acredita que nesse dia eu saí de lá triste porque eu achei que tinha feito um set ruim? Falei: 'Ai, gente, odiei meu set'”.
Mas, são assim que as coisas funcionam para uma DJ com tanta experiência quanto Miss Tacacá, muita autocrítica e um desejo de sempre apresentar seu melhor som. Aos 25 anos de idade, a paraense começou sua carreira como DJ em sua festa de 18 anos, em 2017, ainda no Pará e, desde então, nunca parou.
“Quando eu tinha 15 anos, a maioria dos meus amigos já tinham 18, 17, e aí, eles já iam para festas e tudo mais, e meu sonho era ir para festa”.
Desde criança, emaranhada nos cabos da CDJ
Nascida e criada em Belém do Pará, Miss Tacacá, “o nome que me deram no rolê”, sempre teve uma conexão com seu lado artístico. Crescendo em uma escola em que os alunos estudavam música e artes cênicas, seu interesse começou aí - solidificando-se em um lugar inesperado: na van que a levava ao colégio.
Ao invés de ouvir as músicas da rádio dentro da van, a futura DJ, aos 11, 12 anos, pediu um pendrive para sua mãe e fez uma grande seleção de músicas. “Eu botava no ônibus e passava a viagem toda até a escola escutando as minhas músicas - acho que essa foi a primeira vez que fui DJ, sem saber”, conta Taka.
No entanto, com pai militar e estudando em colégio militar, seus anos de adolescência contaram com bastante limitações. Não podendo sair muito e com “uma vida extremamente regrada”, a primeira aparição da Miss Tacacá que conhecemos aconteceu na sua, previamente citada, festa de 18 anos - na qual convidou mais de 400 pessoas: “Lembro de pensar 'Conheço muita gente, as pessoas gostam das músicas que eu toco, então, acho que vou fazer uma festa e virar DJ'”.
No seu primeiro set, Taka ainda não tocava a mescla de música eletrônica, pop e ritmos paraenses pela qual é conhecida atualmente - ao invés disso, selecionava com carinho músicas internacionais e funks que embalariam qualquer balada em Belém.
“Em Belém, lá o tecnobrega e o tecnomelody são musicalidades regionais, então é uma coisa que você escuta em todo lugar, o tempo todo, e existem festas específicas para isso, que são as aparelhagens. Só que é muito marginalizado ainda, é uma música eletrônica periférica, produzida para as periferias de Belém. Então, nas baladas, geralmente, você não escutava tecnobrega naquela época”, explica a artista sobre o cenário em que cresceu.
Saindo de casa aos 18 anos, Taka se mudou para São Paulo, primeiro para fazer faculdade de publicidade e propaganda e, depois, para correr atrás de seu sonho de ser DJ, morando com sua amiga, a também DJ e produtora Slim Soledad - que, por sua vez, teve um papel importante em convencer Miss Tacacá a adotar o tecnobrega.
“Uma vez, a gente indo limpar a casa, comecei a colocar alguns tecnobregas, uns tecnomelody's para tocar e ela [Slim Soledad] virou para mim e disse 'amiga, por que você não faz um set disso? Ninguém toca isso aqui!'”.
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“Entendendo a importância do trabalho que eu estava fazendo”
Após a sugestão de sua amiga, Taka decidiu montar um primeiro set de tecnobrega e tecnomelody, ambos gêneros musicais tradicionais da região norte. Unindo tons de inúmeras musicalidades, como o samba, o forró, indo até o sertanejo e abraçando o pop, o tecnobrega junta tudo com batidas eletrônicas, sintetizadores e instrumentos característicos (o saxofone e a sanfona são destaques).
Para a produtora, a decisão de apostar nesses gêneros não foi algo intencional, com base em uma mensagem para passar, “era, na verdade, uma coisa que já fazia parte de mim”. No entanto, ao longo de sua pesquisa, Miss Tacacá começou a adotar o tecnobrega e o tecnomelody como um movimento, dedicando-se ao seu reconhecimento como música eletrônica e à sua integração nas festas do gênero.
“No início foi bem difícil, eu só tocava em festa de brasilidades, por exemplo, então, comecei a militar sobre o tecnobrega e o tecnomelody. Isso é música eletrônica, então por que isso não está sendo incluído nas festas de música eletrônica, sabe?”
Destacando o apagamento da influência cultural da região norte, a DJ sente que “entrei na cena para, também, educar os ouvidos das pessoas”. Como “travesti, indígena e gorda”, Taka aponta que sua perspectiva única permite que ela compreenda maneiras diversas de colocar-se à frente e, desta maneira, expandir o alcance destes ritmos.
Em 2020, a artista tocou no oitavo aniversário da festa Mamba Negra, um dos maiores espaços para a cultura LGBTQ+ e underground do Brasil, e ela afirma que foi nesse momento em que sentiu que muita gente abriu os olhos para o que ela estava fazendo. Em frente a sete mil pessoas, Taka trouxe a genuína cultura nortista.
“O que a gente precisa fazer, já estamos fazendo, que é lutar. É como se fosse um tiro no escuro, a gente está indo, seguindo, lutando pelo que acreditamos, lutando pelo reconhecimento da nossa cultura”
Tecnobrega, tecnomelody, trance, Tacacá: qual o próximo passo?
“Muita gente achava que o que eu estava fazendo não era importante”, me conta Miss Tacacá quando a pergunto sobre tocar no Boiler Room, conquista que saiu do papel em novembro do ano passado durante o palco especial no festival Rock The Mountain.
No entanto, a realidade é que essa foi a segunda vez que a DJ foi convidada - anteriormente, ela estava marcada para tocar em 2021, em uma edição em SP que nunca aconteceu. Depois desse cancelamento, Taka ficou muito decepcionada, o que se somou ao “boicote muito grande” que ela sentia na cena do sudeste, mas, “nunca deixei de fazer”.
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“Não tenho a possibilidade de parar. Independente se me sinto feliz, se me sinto cansada, não posso parar”
Com 7 anos de carreira, Miss Tacacá pode falar confiantemente que já foi “muito murro em ponta de faca, acreditando muito” antes de chegar no momento atual.
Listando episódios importantes até agora, a DJ cita a primeira vez que tocou para um público de 9 mil pessoas em uma festa da UNESP, em 2019, a Mamba Negra de 2020, o Boiler Room e o festival Urbeck’s em 2022 (seu maior cachê até aquele momento) - mas, nunca esquece de destacar o tanto de esforço que foi necessário.
“Fico muito feliz, mas, não são coisas que me fazem ficar deslumbrada, porque só eu sei o quanto eu tive que trabalhar para chegar nesses lugares, fico até com vontade de chorar”, relata a artista, acrescentando: “Estou lutando para crescer cada vez mais, mas, eu sei que nada caiu do céu e sei que isso é esforço de muito trabalho, e sei que é muito mais difícil tendo o corpo que eu tenho”.
Ainda assim, para Taka, é importante apontar que “não sou uma cota”, afirmando que não quer ser reconhecida como “a DJ, travesti, do Norte” e, sim, por seu trabalho. Felizmente, ela conta que sente que “é isso que acontece, o que me deixa muito feliz”.
Sempre buscando destacar-se pelo que faz, a artista está dando os primeiros passos para um novo momento em sua jornada.
“As coisas estão todas se encaixando na hora e no tempo certo”, diz Taka enquanto ela me conta que está começando a produzir suas próprias músicas. Apontando o machismo e até pedofilia presente em certos trabalhos de tecnobrega, ela decidiu que seria importante levar as coisas para um lado mais autoral - até mesmo para incrementar seus sets.
“É difícil fazer um set da forma que eu faço, do jeito que eu gosto, que sei que vai agradar o público também, às vezes eu demoro, para fazer um set inédito de 1 hora, mais ou menos 3 meses”
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Ao ser perguntada sobre os valores que Taka leva para a noite, a artista aponta a importância de sabedoria e equilíbrio, mesmo anos após sua entrada na cena. “Com todas essas questões de álcool, de drogas, se você não souber lidar, você se afunda, então, é isso, tem que ter o pé no chão”, defende ela.
“Aprendendo isso com o tempo”, a DJ e produtora afirma que, agora, tem conseguido ver seus momentos na noite mais como trabalho, e deixado “minha parte louca para as minhas amigas na minha casa”.
Finalizando nossa conversa, Sara Jéssica, a cachorrinha de Miss Tacacá, pula em seu colo e, entre carícias na cabeça, a artista puxa um pacotinho de seda e mostra que Sara rasgou todas as unidades do pacote. Rindo, Taka dá um abraço na cachorrinha e diz:
“Às vezes, quando me sinto muito cansada, lembro que não posso mesmo parar, preciso comprar a ração dela, minha filhinha”.