Priyanka é dona de tudo, e tudo é “Devastatia”: Em seu álbum de estreia, “Devastatia”, a vencedora de Canada’s Drag Race está assumindo a posse de sua cultura, sua história e de si mesma - “Boa tentativa, filhos da puta!”
Texto e entrevista por Pedro Paulo Furlan.
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Fotografia por Shaun Vadella
São Paulo, 12h30. Priyanka abre a nossa call, metade em drag, suas mãos fora da câmera enquanto recebe uma manicure e o cabelo preso para não atrapalhar a maquiagem. Já rindo, a vencedora da primeira temporada de Canada’s Drag Race referência o famoso meme da Gaga: “Perdão a correria, mas, esses dias têm sido bus, club, another club, você sabe como é”.
A estrela de Drag Race, apresentadora de televisão, e uma das drag queens mais famosas do Canadá, está realmente numa correria - a nossa conversa aconteceu duas semanas antes do lançamento de “Devastatia”, seu álbum de estreia, e Priyanka já estava afundada em diferentes divulgações. “Eu sinto que todo mundo, independente do que estão fazendo agora, sempre quiseram ser uma popstar”, ela explica: “Estou superando e atingindo todas as coisas que disseram que eu nunca seria”.
Depois de sua vitória em Canada’s Drag Race, em 2020, Priyanka lançou seu EP “Taste Test”, em 2021, com o hit “Come Through”, ao lado da colega de elenco Lemon. Depois disso, no entanto, a música pareceu sair do papel principal, enquanto turnês, programas de TV e sua presença online ficaram cada vez mais frequentes - mas, na verdade, ela tem trabalhado em seu som desde lá, e tudo resulta em “Devastatia”.
“Criar um álbum enquanto o mundo está aberto, em turnês, durante ‘We’re Here’, foi a coisa mais difícil que já fiz, e eu ainda estava crescendo para chegar em quem sou hoje em dia”.
Agora, com mais de dois anos de trabalho nesse projeto, tendo acabado de se tornar o rosto da campanha UP NEXT, da Apple Music, e com milhares de streams em seu single “GUCCIYANKA”, Priyanka está pronta para assumir domínio total.
“É sobre domínio, se você é irritante, seja irritante, só seja, seja exatamente o que as pessoas não querem que você seja. Nós todos devíamos ser nossas versões mais irritantes!”.
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Fotografia por Nick Merzetti
“É devastador o quão icônica eu sou”
“Acabou que tudo se tornou sobre isso, sobre confiança, amor-próprio”, responde Priyanka quando a pergunto sobre os temas de “Devastatia”. Independente do que ela disse, desde 2022, a artista tem escrito faixas para este álbum, inclusive músicas de amor para seu namorado, músicas sobre “saltos, cunt e tudo” - mas, a queen aponta que, na hora de escolher as músicas para seu álbum de estreia, essas simplesmente não encaixavam.
Crescendo como uma criança gay e de descendência indiana, Priyanka teve que se acostumar com pessoas criticando coisas sobre ela e sua personalidade: “Eles falavam que ‘minha personalidade é demais’, ou eu falava demais, falava alto demais”. Toda essa pressão fez ela ficar cada vez mais quieta, se policiando porque “eles não aguentavam minha confiança” - e isso é o que ela quer encorajar as pessoas a não fazerem com “Devastatia”.
Foi assim que Priyanka desenvolveu o conceito do projeto, me explicando que ela queria criar uma palavra que significava “É devastador quão icônica eu sou”, reassumindo toda essa confiança e a compilando em oito faixas. Toda essa confiança em si mesma também significou batalhar para que o álbum soasse exatamente do jeito que ela queria.
“Foi quase como se eu estivesse convencendo-os de que não estávamos fazendo que nem todo mundo, estávamos fazendo isso do jeito da Priyanka, do jeito ‘Devastatia’. Tem que soar como algo novo, pensem fora da caixinha!”.
Durante o processo criativo de “Devastatia”, Priyanka queria criar músicas que soassem como se “você já estivesse em um estádio”, focando em faixas pop que poderiam completamente encher uma casa de shows. Mas, para criar esse som, as batidas tinham que ter muitas camadas, cheias de influências e expansivas, algo do qual ela teve que convencer as pessoas com quem ela estava trabalhando.
Com “Problem Pageant”, por exemplo, Priyanka teve que demitir o produtor original da música, “porque ele não estava me ouvindo”, e contratou outra pessoa que executaria sua visão. Cantando sobre como todos têm seus problemas, a cantora dá sua visão pessoal, uma com muito sentimentalismo, mas, também, humor.
“É tão importante ouvir uma música e rir”, ela explica, me dizendo que, durante os ad-libs para essa música em específico (por exemplo, as linhas “Make it rain, all that pain / Oh shit, my dress has a stain” - “Deixe chover, toda essa dor / Merda, meu vestido manchou”, em tradução livre), ela queria inserir esse lado mais engraçado dela mesma, especialmente porque estava cantando sobre algo tão sério.
Além das letras, no entanto, as músicas também carregam muito de sua cultura. Priyanka teve certeza de incluir a sonoridade de Bollywood através de todo o projeto, por exemplo, fazendo dessa reivindicação da cultura indiana, um pilar central de “Devastatia”.
É Bollywood, é anos 2000, é Priyanka
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Fotografia por Nick Merzetti
“Essas são coisas das quais eu tinha vergonha, mas, agora eu estou pulando e sendo o mais barulhenta sobre tudo isso o quanto eu posso”.
Perguntando para ela sobre a importância de incluir sua cultura em sua música, eu lembro Priyanka de seu vestido para a coroação da segunda vencedora de Canada’s Drag Race - uma referência clara às vestimentas indianas com suas estampas, cor e as joias usadas. Trazer influências indianas para suas drag é, para Priyanka, uma forma de “terapia”.
“Eu sinto que todo mundo quer se ver representado para saber que poder ter sucesso também”, ela me responde, continuando: “Eu achava que representatividade era uma coisa tão idiota, pensava que estavam limitando as pessoas, mas, agora eu entendo”.
Crescendo no Canadá, Priyanka me conta que podia perceber as maneiras em que ser uma pessoa queer e racializada eram coisas que realmente moldaram sua infância - especialmente na maneira em que pessoas falavam com ela e sobre ela. Desde então, sua identidade queer e racial são coisas que ela batalha para poder abraçar completamente.
“Eu brigava com minha mãe para ela me fazer sanduíches para levar para a escola, mas, agora, eu entraria na sala e encher ela do cheiro de curry, não dou a mínima”.
Durante a criação de “Devastatia”, foi muito importante para Priyanka incluir todas essas partes de sua cultura - destacando o quão importante abraçar sua identidade gay foi para as seções mais chamativas de suas letras, além de, é claro, as influências de Bollywood em todas as faixas do álbum.
Priyanka também cresceu com música a sua volta. Seus avós eram cantores e seu pai era um DJ, trazendo sempre novos CD’s e vinis para casa, para ouvir junto com ela. Foi assim que ela se apaixonou pela música pop, citando influências como Beyoncé e Destiny’s Child.
“Música é uma parte tão importante do meu crescimento - especialmente descobrir novas músicas pelo meu pai”, ela me conta, explicando que é dali que vem sua paixão por tudo isso, as origens de “Devastatia”. Agora, misturando suas experiências como uma drag queen, seu amor pela música e sua autoconfiança, é o momento perfeito para este lançamento.
“Todos podemos ser entretidos por... mim!”
Já fazem quatro anos que Priyanka ganhou Canada’s Drag Race e desde então ela tem dominado o mundo, estando em turnês sem parar, tornando-se uma das apresentadoras do programa “We’re Here” da HBO, ao lado de Sasha Velour e Jaida Essence Hall. Agora, com “Devastatia”, ela se estende sobre o mundo da música, se solidificando enquanto artista.
“Tem afrobeats, funk brasileiro, hip hop, bedroom pop. É a junção de tudo, porque estou fazendo música para todo mundo - todos podemos ser entretidos por... mim!”.
Com “Devastatia”, Priyanka investiu tudo de si mesma e fez o álbum acontecer, trabalhando com grandes nomes como Scott Hoying, do Pentatonix, que co-escreveu a faixa título e “GUCCIYANKA”, sua música com Lemon: “A Lemon é ‘that girl’, ela é uma artista de verdade”. Completando todos seus desejos na sonoridade desse proketo, a queen espera que ele irá atingir o coração de muitas pessoas, que a irão ver como a popstar que ela é.
“Preciso ter uma turnê de ‘Devastatia’”, ela me conta, quando a pergunto qual o próximo passo após o lançamento do álbum de estreia. Expressando seu grande desejo de revisitar o Brasil, Priyanka descreve sua última vez aqui como “incrível e maravilhosa” e revela o quão emocionada ela ficou que todo mundo sabia as letras de seu primeiro EP.
“Porque, quando você está em um lineup com Shea Couleé, Jaida [Essence Hall], ícones, eu ganhei o spinoff, e eu entendo, mas, não importou, me senti a Beyoncé naquele dia”.
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Fotografia por Shaun Vadella
Relembrando o começo da entrevista, eu aproveito os últimos minutos de nossa conversa para explicar que o Brasil tem seus próprios memes da Lady Gaga. Por causa de problemas de saúde, a popstar teve que cancelar seu show no Rock in Rio 2017, um dia antes da performance - e no seu tweet anunciando isso, ela começou com “Brazil, I’m devastated”.
Agora, sempre que algo é cancelado ou algo ruim acontece, brasileiros falam isso como sua primeira reação. Invertendo o significado, no entanto, Priyanka ri e termina nossa entrevista com sua própria versão do meme.
“Brasil, I’m ‘Devastatia’! Mas prometo que estou indo!”.